Desde julho, os preços de produtos à base de trigo, como massas alimentícias,
pães e biscoitos, além da própria farinha de trigo, já aumentaram em até 10%, segundo estimativas de
entidades que representam a indústria do setor no país. O percentual representa cerca de 40 vezes a
variação da inflação média dos últimos dois meses, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA), que subiu 0,24% entre julho e agosto.
A principal explicação para a inflação dos
alimentos à base de trigo está na dependência externa que o Brasil tem do produto combinada com as
recentes oscilações do dólar e do preço do produto no mercado internacional. O trigo é um dos poucos
grãos que o Brasil tem que importar de outros países para abastecer o mercado doméstico.
Pelos dados mais recentes da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o país deve
produzir 5,2 milhões de toneladas de trigo em 2018 e comprar do exterior mais 6,3 milhões de
toneladas, a maior parte oriunda da Argentina, seguida de países como Estados Unidos, Paraguai,
Uruguai e Rússia.
Oscilação de preço
Economistas
confirmam o cenário descrito pelos produtores do setor. "No caso do trigo, o Brasil importa mais da
metade da demanda interna. Assim, maiores taxas de câmbios terão impacto direto sobre os mercados
atacadista e varejista. Além disso, no primeiro semestre de 2018, os preços internacionais subiram,
diante da menor oferta mundial. O Brasil também foi impactado pelos maiores preços na Argentina,
diante das incertezas quanto ao tamanho da safra desta temporada", explica o professor Lucílio
Alves, pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepe), ligado à Escola
Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (USP).
O preço do
trigo, que é um dos principais produtos negociados na Bolsa de Chicago (CME Group), nos EUA, chegou
a atingir US$ 197,80 (R$ 819) por tonelada em agosto, o maior valor desde julho de 2015. Na parcial
de setembro, o preço caiu um pouco, para US$ 181 (R$ 749,34), mas ainda bem superior à média do
início do ano (US$ 158,91/ton em janeiro).
Além disso, como o preço internacional do
produto é calculado em dólar, a desvalorização do real aumenta seu custo de importação. No ano, o
dólar se valorizou ante ao real em 22,86%, no acumulado até agosto. Somente no mês passado, essa
valorização foi de 8,45%.
Preço por produto
De
acordo com Cláudio Zanão, presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos,
Massas Alimentícias, Pães e Bolos industrializados (Abimapi), os maiores aumentos acumulados desde
julho afetam principalmente o macarrão e o pão de forma, que tiveram cerca de 10% de aumento no
período. Esses alimentos foram os mais afetados porque o volume da farinha de trigo empregada na
produção representa entre 60% e 70% do custo final do produto.
No caso do biscoito, cuja
farinha de trigo representa cerca de 30% do custo, o aumento no preço foi de cerca de 5% nesse
período, de acordo com Zanão. Segundo ele, esses aumentos foram, em média, o repasse da indústria e
dos supermercados para o consumidor final no varejo. O dirigente também afirmou que a elevação do
preço do trigo ainda não se estabilizou.
Infelizmente, a má notícia é essa. O trigo
aumentou, mas não quer dizer que [o aumento] já acabou. Se o mercado internacional continuar
oscilando e o câmbio também continuar oscilando para cima, os preços tendem a aumentar mais,
acrescenta Zanão, para quem esses aumentos já devem estar repercutindo no bolso do consumidor.
Quando você aumenta preço no varejo, diminui o consumo, por isso que supermercado não gosta de
aumentar preço, mas já foram reduzidas todas as margens e o repasse começa a ser
inevitável.
O repasse da alta do trigo ao consumidor também está sendo absorvido, em parte,
pelos moinhos. Houve um pequeno repasse no custo do trigo para o mercado interno, mas é difícil
porque impacta no consumo e a economia ainda está desacelerada, reconhece Rubens Barbosa,
presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo).
O empresário diz ainda
que só não houve uma disparada maior nos preços porque este mês começa a colheita da safra
brasileira do produto nos estados Paraná e no Rio Grande do Sul, que são os dois principais
produtores do país.
Outros custos
Para o setor de
padarias, que comercializa o tradicional pãozinho francês, a oscilação no preço do trigo, apesar de
importante, não é a principal preocupação no momento. Segundo dados da Associação Brasileira da
Indústria de Panificação e Confeitaria (Abip), o gasto com mão de obra representa atualmente 40,6%
do custo do setor. Gastos com energia elétrica (14,4%) e impostos (15,2%) também são apontados como
fatores de custo relevantes nos últimos anos.
A Abip diz ainda que não orienta o repasse de
nenhum tipo de aumento de preço ao consumidor final, já que essa decisão cabe exclusivamente aos
donos de padaria. Ainda segundo a entidade, mais de 41 milhões de pessoas passam pelas 70 mil
padarias do país, diariamente. O segmento emprega 2,6 milhões de trabalhadores direta e
indiretamente.
Crise na Argentina
Outro fator que
preocupa a indústria brasileira é o agravamento da crise econômica na Argentina, que vive
superdesvalorização de sua moeda, o peso, o que fez com o que o governo de lá decidisse aplicar um
imposto de exportação ao setor agrícola. Mais de 80% do trigo importado pelo Brasil vêm justamente
do país vizinho.
A situação continua incerta. Até dois dias atrás, ainda não estava certo se
os contratos que tinham sido negociados antes dessas medidas do governo argentino seriam afetados ou
não, aponta Rubens Barbosa, da Abitrigo.
Na semana passada, o presidente da Argentina,
Maurício Macri anunciou a criação de um novo imposto
aos exportadores de produtos primários, como grão e minérios, que deverão pagar ao governo
quatro pesos para cada dólar vendido. Os exportadores dos demais produtos pagarão uma taxa menor, de
três pesos para cada dólar obtido.
Tabela do
frete
Além da crise na Argentina, os impactos da nova tabela do frete (Lei nº 13.703/2018)
ainda podem ampliar a inflação dos produtos à base de trigo. O pessoal não está correlacionando
muito isso, mas a nova tabela pode ter impacto no preço do trigo também, aponta
Barbosa.
Segundo o professor Lucílio Alves, da Esalq/USP, "as incertezas sobre o impacto que
a nova tabela terá sobre os custos da produção travaram as negociações em praticamente todo o
mercado de grãos e fibras, impactando também os preços no atacado e varejo".
Foto/Legenda: Produtos à base de trigo, como
pão, macarrão e biscoito, estão sofrendo com a alta dos preços - Marcello Casal Jr./Agência Brasil.Fonte: FONTE: agenciabrasil.ebc.com.br | FOTO: Marcelo Casal Jr./Agência Brasil